Lancia Stratos
Para muitos, o Lancia Stratos é o carro mais icónico do campeonato do mundo de ralis. O visual deste carro a dançar pelo percurso de Monte Carlo, juntamente com a banda sonora do seu motor tornavam o Stratos uma atração e um espetáculo dentro de um espetáculo.
O carro foi desenhado do zero para ser um carro de ralis, fazendo com que a sua aparência seja bastante diferente quando comparado com outros carros, que em contrapartida são apenas carros “normais” adaptados para a competição.
Desenhado pela Bertone, o Stratos apresentava uma carroçaria que mistura o radical com o elegante, mas sobretudo única e pouco convencional para os parâmetros de hoje. Para dar uma noção do quão radical o carro era, é dito que quando a Bertone foi apresentar o protótipo do Stratos à Lancia (o Stratos Zero), o carro era tão baixo que passaram debaixo da cancela, para o delírio dos trabalhadores.
O produto final manteve dimensões semelhantes e era extremamente pequeno. Tinha uma distância entre eixos absurdamente curta e larga e um peso total de 960 Kg, fazendo com que o Stratos fosse ridiculamente ágil, e graças a um motor V6 de 2,4L da Ferrari com 275 cavalos (havendo depois uma versão de 24 válvulas com 320 cv), era igualmente espantoso em linha reta. O carro também possuía um para-brisas que dava uma volta completa ao habitáculo para maximizar a visibilidade do condutor, e também uma posição de condução que só pode ser descrita como… diagonal, pois os pedais estavam quase no centro do habitáculo.
A Lancia teve de produzir uma versão “civil” do Stratos para cumprir com o regulamento da FIA que diz que todos os carros de rali que participam no mundial têm de ter pelo menos 500 unidades de uma versão de estrada para serem vendidas ao publico, mas houve alguns problemas com a parte do “vender”.
O Stratos foi posto à venda depois da crise de petróleo na década de 70, significando que um carro que custava 63 mil euros hoje sem impostos e que gastava cerca de 15L aos 100 não era exatamente um bom negócio. A falta de publicidade também não ajudou, pois, a Lancia só fazia publicidade à sua equipa e aos carros de rali.
O processo de construção dos carros também estava a ser demorado porque a Ferrari não conseguia produzir tantos motores para o Stratos e para o Ferrari Dino (que utilizava o mesmo motor) e fez com que a Lancia ponderasse uma troca para motores Maserati, mas eventualmente as 500 unidades foram todas produzidas e essa discussão acesa em italiano animado nunca aconteceu. O carro, com o motor Ferrari, conseguia ir dos 0 aos 100 km/h em menos de 7 segundos e tinha uma velocidade máxima de cerca de 230 km/h, que no início dos anos 70 era algo de supersónico. O Stratos foi produzido de 1973 até julho de 1974 depois de todas as 500 unidades terem sido feitas, qualificando-se assim para o mundial de ralis. O que se seguiu foi um período de domínio em que ninguém tinha resposta para os autênticos mosquitos que andavam nos percursos, e com isto, a Lancia assegurou um percurso de sucesso no mundo dos ralis, tendo ganho o campeonato com o Fulvia previamente.
Com o Stratos, a Lancia ganhou o mundial em 1974, 1975 e 1976, e só não alcançou mais por causa do jogo político do grupo Fiat que queria que o seu Fiat 131 Abarth ficasse com o sucesso e atividade teatral do Stratos. Isto fez com que fosse apenas utilizado por equipas independentes a partir de 1977, mas ainda assim era o carro a bater.
Só mesmo um acidente ou falhas mecânicas (das quais havia muitas) é que davam uma hipótese aos outros concorrentes, e nem a proibição dos motores de 24 válvulas em 1978 os parava, pois mesmo com uma aparente deficiência em potência, estavam sempre perto do topo das tabelas (quando estavam a funcionar bem). O Stratos ganhou o seu último rali em 1981.
Com a Fiat a focar o seu orçamento e atividades de rali no Fiat 131 Abarth, a Lancia decidiu participar em corridas de endurance Grupo 5 com o Stratos Silhouette, mas este era território exclusivo da Porsche e o seu 935, que deu as boas vindas aos italianos e mostrou à Lancia que endurance era a sua grande especialidade e não queriam ter chicanes móveis nas suas corridas.
Fora disso, e fora dos circuitos fechados, esta versão do Stratos alcançou algum sucesso em corridas como a Tour de France Automobile e provas de endurance italianas. O Stratos também tem a distinção de ter o primeiro título de rallycross reconhecido pela FIA em 1976, por isso existia mesmo alguma versatilidade no carro no que toca às categorias de desporto automóvel.
Atualmente, dependendo do seu estado, o Stratos vale mais de 300 mil euros em leilão e, tendo em conta que são raros, pouco fiáveis, mas sobretudo colecionáveis, convertê-lo a gás para combater os consumos arcaicos não valeria muito a pena. Existem, no entanto, firmas que criam kit cars baseados no Stratos e até existe uma versão recente deste ícone de rali feito por uma pequena equipa de engenheiros, utilizando um Ferrari 430 Scuderia como “carro doador” e uma carroçaria feita por cocheiros italianos que talvez tenham produzido uma das melhores carroçarias de um ponto de vista estético.
Infelizmente só foram produzidas 25 unidades deste carro pois a Ferrari não estava particularmente agradada com o facto de os seus carros estarem a ser destruídos para criar uma coisa possivelmente melhor que o Ferrari original, e assim, ameaçaram todos os fornecedores que o projeto tinha em comum para pararem de fornecer o que quer que fosse, senão a parceria entre eles e a Ferrari terminava.
Mas é também por causa da Ferrari que este magnifico ícone automóvel pôde existir, e ajudou a Lancia a criar um dos carros mais reconhecíveis e desejáveis no planeta inteiro e que, de certa maneira, envergonha a Lancia atual. No início dos anos 80 acabaria por ser substituído pelo Lancia 037, que continuou a histórica rica da marca no mundo dos ralis.